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Razões pelas quais o Corinthians não deveria afastar Robson Bambu

UOL | Mai 2022

Por Fernanda Tórtima e Maíra Fernandes

É estarrecedor ver como parte da Imprensa ainda não conseguiu harmonizar a relevante função que tem de informar a sociedade, inclusive a respeito do conteúdo de procedimentos de natureza penal, com o princípio da presunção de inocência.

E já que estamos falando de futebol, vale lembrar que a bola da vez já foi a relação – muitas vezes indevida e até criminosa, sim – de empresários e políticos brasileiros, cujos atos andaram sendo por alguns anos julgados antecipadamente pela mídia e pela opinião pública. O resultado nós vimos. Empresas quebradas e a constatação de que diversos investigados tiveram suas vidas arrasadas e depois foram inocentados.

Agora parece que as atenções, e a suspensão de garantias, como o devido processo legal e o afastamento do princípio da presunção de inocência, se voltam para crimes sexuais.

Não há razão para a exposição pública de quem quer que seja, nem mesmo de acusados de crimes sexuais, antes de que ao menos as autoridades responsáveis pela persecução penal cheguem à conclusão de que existem indícios mínimos da prática de crime por investigados.

E é exatamente nesse ponto que o julgamento antecipado de Robson Bambu e de seu amigo, que também é alvo das acusações da sedizente vítima, assume contornos de absoluta irresponsabilidade. É que no caso de que se trata nem mesmo houve a conclusão do inquérito policial, com a elaboração do respectivo relatório final, menos ainda o oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público. Ainda que já estivessem ambos figurando como acusados em ação penal continuariam a ser presumidamente inocentes até condenação definitiva. Mas é um verdadeiro descalabro pretender causar prejuízo à imagem e à carreira de alguém contra quem não se reuniram nem mesmo indícios mínimos da prática de crimes.

Não se desconhece quão sensíveis são os casos que envolvem as acusações de crimes sexuais. Justo pela gravidade desse tipo de acusação para os homens e a relevância do tema para as mulheres, é recomendável que os órgãos persecutórios e julgadores redobrem as cautelas na investigação dos fatos, cientes de que, embora as falsas acusações não constituam a regra, elas existem.

Indubitavelmente, uma falsa acusação de delitos sexuais causa danos irreparáveis: i) para o acusado, que além da possibilidade de ser injustamente condenado pode ter sua imagem destruída por força do estigma de “estuprador” – o que já está ocorrendo no presente caso; e ii) para as próprias mulheres, em razão de abalar a credibilidade dos discursos das vítimas nos casos de violência real e de fragilizar a atuação pública dos movimentos de proteção contra a violência.

Aliás, outro erro grosseiro, frequentemente reproduzido por articulistas em diversos órgãos de Imprensa, diz respeito ao peso que se deve dar à palavra da vítima. Sim, é bastante grande, mas não é absoluto.

Com efeito, é conhecido – embora não previsto em lei, como determinada colunista andou equivocadamente reproduzindo – o entendimento doutrinário e jurisprudencial de valorização da palavra da vítima nas investigações que envolvem os crimes sexuais. Em decorrência de serem delitos que ocorrem normalmente no âmbito privado, a prova é bastante complexa e, sem dúvida, a narrativa das vítimas deve ser valorizada. No entanto, conforme igualmente consolidado na jurisprudência, a palavra da vítima, para conduzir a um juízo de acusação consistente, deve: i) estar em harmonia com as demais narrativas da própria vítima (coerência interna) e ii) estar amparada por outros elementos de prova (coerência externa), exatamente para que não se legitimem falsas acusações.

Não é o que ocorre no presente caso. Lamentavelmente, sem conhecer as provas dos autos, o que possibilitaria a verificação da incoerência interna e externa da narrativa da suposta vítima, parcela da mídia já preferiu a degradação pública dos investigados. E o que é pior: como o inquérito é sigiloso, nem dispõem eles das armas adequadas para se defender na arena pública, restando-lhes apenas aguardar que a investigação seja finalizada, para que, então, possam buscar a devida responsabilização pelos danos causados à sua dignidade.

Publicado no UOL.